09 outubro 2005

Links Interessantes

www.gabrielaalbergaria.com

www.vascocolombo.com

www.zacariasdamata.com

www.paulodacosta.com

http://piadasmokka.pt.vu

http://estudiosmokka-newsletter.pt.vu

http://paulomalekith.blogs.sapo.pt

http://www.recantodasletras.com.br

www.palavraschave.net

http://www.fraguasonline.com

02 outubro 2005

Imagem de Gabriela Albergaria

Poesia e Outras Palavras de Ana Pereira

Tanto e Tão pouco
´
Era primavera e já a noite caía empurrando as réstias de sol que ainda espreitavam, quando junto ao jardim eu esperava pelo encontro marcado com uma amiga, para que seguíssemos juntas para casa. Reparei que bem perto de mim havia um caminho que atravessava o jardim para o outro lado da rua, e mesmo ali havia um banco, dos muitos que por aquele jardim havia, no qual estava um pobre mendigo arrumando suas tralhas e aconchegando-se naquele leito miserável improvisado, preparando-se para uma noite longa de fome, frio e tão só, tão vazia de tudo.
Enquanto eu esperava fui reparando no cuidado e amor com que ele tratava de seus haveres, que para muitos seriam meros trapos e tralhas sujas, mas que nas suas mãos mais parecia de um tesouro tratar-se. Entretanto, e assim que me apercebi que ele estava pronto para dormir, reparei que ele ficou atento e sempre que por ali alguém passava, fossem homens, mulheres ou mesmo crianças, ele acenava um adeus com um olhar inocente de criança e uma expressão marota de quem esperava ver uma reacção nos outros. Mas de todos os que por lá passavam ninguém lhe respondia. Num contexto daqueles, que não num filme de Hollywood - no mínimo seria um “tolinho” a dizer adeus a quem passava. Ele olhava-me com ar de malícia doce e encolhendo os ombros de desalento por cada um que por lá passava, pois realmente ninguém queria sequer reparar nele, olhar para ele, apenas e tão simplesmente dizer-lhe adeus também. Foi crescendo em mim uma vontade de lhe acenar sem que ele o fizesse primeiro, mas porque não me dizia ele adeus se afinal eu estava mesmo ali parada? Aquele olhar, aquela expressão não era de alguém maldoso ou indecente. Mas que queria ele? Que reacção queria ele provocar nas pessoas?
Finalmente chega a minha amiga, e eu, antes de partir fiz questão de o olhar pois sem que ele me pedisse eu iria dizer-lhe adeus. Mas ele rapidamente se antecipou e tal como aos outros, também agora ele me dizia adeus. Não me contive em lhe dizer simplesmente adeus, e de mãos unidas juntas à face também lhe acenei o gesto de “dorme bem”, e ele com um sorriso lindo e de braços abertos, me atirou um beijo imenso, e outro, e mais um, e mais e mais até que seus olhos me perderam em seu alcance.
Senti uma comoção e uma felicidade enormes porque eu senti que ele tinha conseguido o que queria, o que aos olhos de muitos seria apenas e tão simplesmente atirar um beijo, mas que eu senti ser muito mais que isso: - permitir-se a ele próprio deixar transbordar uma migalha do imenso afecto que devia estar contido nele próprio.

Diz-se que só aprendemos a valorizar a amizade quando já se perdeu um amigo, e sem querer contrariar isso eu acrescento: - pior do que suportar a ausência do amor que precisamos de receber, é ter de conter em nós próprios o amor que precisamos de dar.

Um beijo tal como um abraço: - tão simples ou tão pouco, o tanto que pode tão simplesmente ser!

Poesia e Outras Palavras de Ana Pereira

Não paro de escrever
nesta euforia de me esvair
em busca de todas as palavras que sinto,
das que quero sentir,
de todas as que escrevi e destruí porque não acreditei.

Não paro atrás do alento que me dá tento,
e o tempo que me ajude no evento,
mas vou, vou tentar,
tentar um novo tempo.

Tempo de trocar rumos e aprumos,
tempo onde me encontre e me revele
mesmo que na memória arrepiante dos afectos
neste universo delicioso das palavras
onde no espelho da minha alma
me vejo, e não me sinto tão só.

Poesia e Outras Palavras de Ana Pereira

na saudade de ti, eu escrevo numa folha em branco uma história sem conto,
na saudade de ti, eu grito em silêncio esta dor angustiante
na saudade de ti, eu morro no leito perdido das rosas que me deixaste
na saudade de ti, eu já não sei de mim.

meu desejo é sangue que danço ao som do piano
meu coração é tango que a vida me nega
meu amor é a morte que canto e enterro

Poesia e Outras Palavras de Ana Pereira

>Lua Cheia
>
>
>
>No céu as mil cores da luz do sol
>
>No silêncio a força magnética dos astros
>
>Na mente a firmeza das estrelas
>
>No coração os quartos crescentes
>
>. . . e nela, na lua, o amor latente . . .
>
>
>
>e te abraço. . . , te abraço tanto . . .
>
>e me consolo na saudade de ti
>
>. . . e um dia, os beijos sonhados que se mordam
>
>matando cada minuto que se perdeu
>
>na saudade em silêncio beijada
>

Poesia e Outras Palavras de Ana Pereira

Dia a dia . . .
Passo a passo, andar, caminhar sem parar fixando o olhar no infinito para que nada desoriente o rumo, que nada perturbe o passo, nada distorça o traço, e sem parar, sem mais lembrar, erguer novas hastes até que o sangue se esgote na sede de viver.
Passo a passo, dançar, dançar sem parar até conseguir gritar a nudez, e sem parar, dançar, dançar até que as pernas rastejem e o corpo se estenda vazio no chão.
Passo a passo, caminhar, dançar, sem parar e sem mais lembrar, até que um dia, todos os dias, já não lembre de os contar.
--

Poesia e Outras Palavras de Ana Pereira

Eu quero, quero-te sim
>
>te quero como a mim
>
>te aceito como a mim
>
>o que és, o que sou
>
>eu quero
>
>eu quero ser contigo
>

Pintura de Maria Luis Garcia


Poemas Coloridos à Solta

Beatriz

A menina Beatriz,
lá segue cantarolando.
Olhos de petiz
e o coração amando.

Linda de encantar.
Com os chinelos a condizer.
Tudo no seu lugar,
Sem ninguém se aperceber...

Mas ela brilha quando passa,
no passeio
a cumprimentar.
Com toda a sua graça,
num sorriso de prata ao luar...

Poemas Coloridos à Solta

Às vezes é assim...

Tão longe estás!
Tão longes estás de mim!
Força que me abandonaste!

Misteriosa determinação,
que teimo em reencontrar.
Mas as costas me viraste!

Oops!!!!!
Bateu uma bola na minha perna,
naquela praia distante de paixão!

Um menino levantou a mão.
Um sorriso traquina vi.
Por entre um olhar de admiração.

Depressa me levantei.
E a bola dei.
E me perguntei.

Que procuravas?
Mulher insatisfeita!
Cura para que maleita?

Vive e luta.

Poemas Coloridos à Solta

O Abraço

O abraço é o Sol,
o calor, a energia...
Que me deixa passiva,
entregue num doce espaço...
Só meu, só teu,
Tão nosso...

Imagem Vasco Colombo

Contos P'ra Contar

-Olá! Eu sou a Zizi.
Eu não me lembro bem de tudo o que se passou no primeiro dia de escola, da escola
primária é claro!
Mas julgo ter ficado muito perturbada com o comportamento de uma colega minha, a Ercilia de diminutivo Lila, que mal pôs os pés na sala de aula desatou num berreiro, numa gritaria, que não conseguia ouvir ninguém. O pai, envergonhado, deu-lhe uma palmada para lhe provar que ela ali tinha que cumprir ordens, ter disciplina e respeito pela professora, mas depressa desistiu e saiu da sala deixando- a toda chorosa.
O resto da classe estava mais ou menos bem comportada, atendendo à cena que presenciara momentos antes; eu é que não compreendia a birra que a menina tinha feito. Como era possível alguém ficar assim por ter de deixar o pai ou a mãe por algumas horas?!
Hum! Devia ser interessante a escola, cogitava eu com os meus botões, quando fui interrompida por uma voz muito forte muito entoada. Era a D.Adélia, a professora Primária. Senhora de um grande peito, com o cabelo armado, toda ela exalava disciplina respeito e também medo, porque quando começava a gritar, a gesticular, todas nós tremíamos dos pés à cabeça.
-Atenção meninas. Quero pouco barulho nesta sala, pois vou apresentar-vos a D. Quitéria.
De imediato, olhámos todas para a porta com o intuito de conhecer essa famosa senhora, ou lá o que fosse. Mas a D. Adélia disse:
-Eis a D. Quitéria.
Qual foi o nosso espanto quando olhámos para a professora e ela tinha na mão uma régua de madeira muito grossa. Seria aquilo a D. Quitéria? Perguntava-me. E era mesmo!
-É para vocês aprenderem a comportar-se e a estudar. Retorquiu a D. Adélia que adivinhara os nossos pensamentos.
Eu já tinha ouvido falar das dores que as reguadas produziam nas nossas mãozitas, só esperava nunca apanhar nenhumas.
Aquela escola era só de meninas, pois já lá vão uns anos que eu frequentei a escola primária, mas meninas muito barulhentas, brincalhonas e irrequietas e ao mesmo tempo muito boas alunas como mais tarde poderemos constatar.
Seguidamente, a D. Adélia começou a explicar como funcionava a escola, dizendo-nos que a entrada era às nove com intervalo às dez reinicio às dez e meia saída ao meio dia para almoçar e entravamos novamente às treze e trinta para sairmos às quinze e trinta da tarde. Após esta explicação detalhada sobre o Horário começou a explicar que nós íamos aprender a ler e a escrever e a ter conhecimentos sobre muitas coisas que nos rodeavam.
E assim iniciou a aula explicando o A E I O U, sendo o I de Igreja a primeira letra a ser ensinada.
A sineta da escola tocou para intervalo e interrompeu a aula o que foi um alivio para nós pois já estávamos cansadas de tanta explicação e ansiávamos por brincar .A contínua da escola chamava-se Manuela e era uma Senhora muito gorda com o cabelo apanhado num totó e com aspecto de severa, mas não correspondia à realidade aquele ar, pois era muito boazinha.
Quase nos atropelamos para chegar ao recreio e começar a correr, livres, mas de repente ficamos em sobressalto, pois havia naquela escola uma professora muito pior que a D. Adélia era a Directora a D.Ermelinda.. Uma mulher terrível que vestia sempre de negro e queria sempre as meninas aprumadinhas e no lugar; eis que passa no recreio, e o nosso coração começou a bater muito de força e apressadamente ,parecendo que saía da nossa camisola. Respiramos de alívio, quando verificamos que não nos dissera nada.
O recreio da escola dava para uns prédios onde vivia outra colega da sala chamada Filipa. Filha de uma Senhora espanhola, a Filipa nunca trazia lanche para a escola, pois a mãe chamava-a da janela e trazia-lho ao portão da entrada.
Eu nunca compreendi muito bem porque a Filipa não levava o lanche da mesma maneira que nós, seria presunção? vaidade? ou simplesmente para comer pão fresco? Fosse qual fosse a razão eu achava aquilo muito complicado e não nego que a diferença me irritasse um bocado, dado que havia colegas na escola que nem lanche tinham para comer. O que me dava um certo jeito porque eu comia muito pouco, não tinha muito apetite, e assim dando-lhe metade ficava muito bem vista da parte dessas amigas e da minha mãe que como é evidente sentia-se feliz por achar que a filha já se alimentava melhor.
A D.Manuela tocou novamente a sineta, desta vez para entrarmos para a sala e retomarmos a aprendizagem das letras e agora também dos números.
Passado algum tempo toca novamente a sineta e lá fomos nós almoçar, saímos entusiasmadas para contarmos como tinha sido a nossa primeira manhã na escola, mas depressa passou o tempo e tivemos que entrar novamente para a sala onde estaríamos até às quinze e trinta.
Ao chegar a casa é que pensei no que tinha sucedido; acabara a minha liberdade, a partir daquele momento cumpriria horários, levantando-me cedo indo cedo para a cama; enfim começara o meu trabalho e a minha vida nunca mais seria a mesma.
Eu já conhecia a D. Adélia antes de entrar na escola, visto o meu pai ter um salão de Cabeleireiro e a minha mãe ter um atelier de costura cujo ela frequentava.
O salão era sem duvida muito procurado , tinha muitas clientes entre as quais muitas professoras tal como a D Adélia. Entre tantas recordo ainda hoje uma de nome Laura que foi a responsável por eu ter deixado de usar chupeta; até bem tarde senti uma antipatia especial por essa senhora sem saber porquê. Adorava chupar a chupeta , mas por vergonha fazia-o atras das portas, tirava-a do bolso do bibe e depois sem ninguém ver saboreava aquele pedaço de borracha velha como se fosse um chocolate.
Ora, a Laura começou a observar a minha conduta e um dia apanhou-me com a boca na botija, ou seja na chupeta e simplesmente a roubou. Sim roubou, para mim foi um roubo; nunca mais pude ver aquela mulher, pelo menos enquanto me lembrei, porque hoje acho-a uma pessoa maravilhosa.
Esta pequena história mostra o ambiente em que eu vivia, e por isso o medo que as minhas colegas tinham da professora não era o mesmo que eu sentia.
As clientes do salão costumavam levar as filhas ou filhos pequenos com elas, e tal como eu conhecia pessoas crescidas também conhecia crianças, entre as quais a quase totalidade das minhas colegas: a Cristina, a Joana, a Paula, a Filipa, a Ercilia, etc…conforme vão ter conhecimento dessas personagens ao longo deste livro.
A minha casa não era muito longe da escola por isso não necessitava da companhia de um adulto e nem sempre ia acompanhada de colegas. Mas havia algo que eu não prescindia, ou seja ir por um muro baixo que rodeava o quartel de militares existente na minha terra. Era tão engraçado chatear a sentinela, ou ver os pés dos soldados quando estavam numa sala que devia ser o bar. A sentinela às vezes dava pela nossa presença e zangava-se mas nós fugíamos dela a sete pés; conclusão: passeio é que não era connosco.
Quando entrei para a escola primária , iniciei-me também na catequese e na ginástica desportiva, nesta ultima ocupação bem cedo me evidenciei, porque dada a minha constituição física, aprendia com facilidade todos os movimentos que o professor , o Sr Armando, nos ensinava. Pai de uma colega nossa a Teresa, era extraordinário, conseguia andar com as mãos no chão a fazer o pino todo o ginásio, o que eu achava um verdadeiro espectáculo, e por isso o imitava em tudo.
Eu adorava aquelas aulas, e bem cedo começamos a fazer exercícios mais difíceis como o pino, a roda, para além dos habituais : exercícios de pernas, braços, abdominais e jogos muito divertidos.
Foi assim que participámos em saraus de ginástica e ganhei algumas medalhas que ainda guardo de recordação. No sarau de ginástica apresentavamo-nos sempre de calções, camisola, sapatilhas brancas e uma fita branca no cabelo e após o espectáculo receber uma medalha era motivo de orgulho, tanto para nós como para as nossas famílias, pois é a compensação do esforço despendido .
Mas infelizmente a nossa alegria desvaneceu-se pois o professor, pessoa saudável na aparência era doente e sofria de cancro já à alguns anos e faleceu novo deixando-nos muito tristes e sem vontade de continuar.
Mas a vida continua e conseguimos arranjar uma professora que também nos deu aulas interessantes e nos ensinou o que é o desporto, o espirito desportivo e de equipa tão importantes na nossa educação.
Como já referi atrás, entrei também para a catequese; não por vontade própria mas por as minhas colegas também irem; era quase uma obrigação.
O Padre que nos dava catequese chamava-se Figueiras, era alto bem apresentado, usava óculos e podia considerar-se uma pessoa meiga. Antítese sem dúvida do colega, de nome Abel que por tudo e por nada batia nas crianças. Sorte a minha ter o Padre Figueiras como chefe espiritual de contrário era impossível eu frequentar a catequese.
A Primavera chegou e com ela o mês de Junho e pela primeira vez os meus pais fizeram uma grande festa para festejar o meu aniversário. A minha irmã, é verdade ainda não vos tinha dito que tinha uma irmã, e que boa irmã , acompanhou-me sempre em todos os momentos da minha vida como se fosse filha dela o que não admira pois tinha mais doze anos que eu. Era habitual ela dar-me livros para ler principalmente da Anita que eu tanto gostava, mas como fazia anos deu-me uma boneca, por sinal lindíssima pois tinha os cabelos longos e loiros mesmo bons para os cortar como era meu hábito por causa das influências familiares. Mas a prenda mais importante foi a que os meus pais me deram ou seja uma bicicleta, como era bonita…Lembro-me que quem me ensinou a andar foi o Dinis, hoje meu cunhado e marido da minha irmã que sem dúvida tinha muita paciência para comigo.
Convidei várias colegas da minha turma : a Catarina, a Leonor, Paula, Laura, Cristiana, Ercilia, Cristina, Leonilde, Filipa, etc…Brincamos à apanhada às casinhas, até que me zanguei com a Cristiana pois essa menina filha única e obviamente egoísta ,resolvia fazer o contrário daquilo que eu pedia afastando-me das minhas outras convidadas. Mas não tardou a sentir o mesmo que eu, quando resolvi ter o mesmo comportamento na festa de aniversário dela no ano seguinte, só que eu não consegui ser tão persistente nem chata e depressa fizemos as pazes e nos tornámos boas amigas; até fizemos um clube em casa dela com mais duas colegas, sendo habitual realizar explorações, passeios à beira rio , piqueniques!…
Bem depressa chegámos ao fim da primeira classe que eu passei com distinção, já sabia ler e escrever fazer contas, já estava habituada aos horários e conhecia bem as colegas.
As férias grandes foram muito bem passadas entre nadar na piscina fluvial e fins de semana na praia ,até uma ida ao Alentejo onde eu gostava imenso de ir. Sempre me fascinaram paisagens a perder de vista como o Mar e aquela Peneplanície Alentejana. Parece nunca mais acabar, com um cheirinho a trigo seco , tempo quente e os toiros negros, bem como os cavalos castanhos de raça Lusitana , cores que contrastam com o doirado dos cereais!
Para ao fim das férias, quando começa o tempo a arrefecer, sentimos uma certa nostalgia, saudade principalmente das colegas e das brincadeiras na escola e eis que chega o primeiro dia da segunda classe e nós olhamos umas para as outras e vemos quanto crescemos.
Continuamos com a D. Adélia a aprender o programa da escola que nos era destinado e nada de importante haverá a registar neste ano a não ser a comunhão que eu fiz vestida de hábito como as freiras e como todas as colegas. Estava um dia cheio de Sol e lá seguimos em procissão todas senhoras do nosso papel depois de nos termos confessado pela primeira vez ao senhor padre e recebido a hóstia.
A Catarina fez anos e convidou-me para a festa de aniversário em casa dela, foi bastante divertido mas o que eu mais gostei foi dos doces, tinha coisas verdadeiramente apetitosas, de crescer água na boca: mousse de chocolate, bolos , fios de ovos, ovos moles, um bolo cheio de cor e aquilo que eu mais gostava ou seja molotov. E sabem quem tinha feito aquele pudim? - pois é, a minha professora D. Adélia eximia a fazer a receita com caramelo e ovos moles e concerteza com o segredo dela, pois acho que nunca comi molotov tão boa como a que ela confeccionava.
Vieram novamente as férias grandes e eu entrei para a terceira classe, e foi nesta altura que a D. Adélia adoeceu e foi substituída por outra professora. Essa que eu já não me lembro o nome era novinha muito querida mesmo e nós gostávamos muito dela, mas não ensinava tão bem como a D.Adelia é claro. Apesar de tudo isto passaram-se três meses e finalmente lá voltou a nossa antiga professora de quem nós já tínhamos saudades.
Havia contudo algo que eu não concordava com a D. Adélia que era o facto de ela dividir a turma de trinta alunas em quatro filas e a uma chamar a fila das burras, fila essa composta como é evidente por meninas muito pobres que como é claro coincidia com crianças com menor sucesso escolar dado a fraca alimentação e a falta de descanso de algumas que depois da escola ainda iam trabalhar.
A realidade é que nós tínhamos medo de ir parar àquela fila e esforçavamo-nos bastante para ficarmos onde estávamos.
Certo dia estávamos nós a dar História de Portugal, quando a D.Adélia resolve fazer uma pergunta a cada uma de nós e à qual tínhamos de responder correcto, de contrário levávamos com a D.Quitéria nas mãos. Ao chegar a minha vez, até as pernas me tremiam mas consegui responder certo. Na sala havia uma colega minha chamada Paula que era sobrinha da professora, muito boa aluna por acaso e boa colega também; não era habitual haver preferências da parte da D.Adélia, mas nesse dia ela foi injusta. Quando perguntou à sobrinha e ela deu a resposta errada começou aos berros rasgou o papel da aluna e contrariamente ao que tinha falado sobre o castigo, nem sequer moveu a régua. A Paula bem que ficou muito envergonhada e a chorar porque para ela foi pior que levar a reguada, mas para nós aquele comportamento da professora não tinha sentido nenhum e colocava-nos perante uma grande injustiça e desconfiança perante as preferências ou laços familiares com a aluna.
A minha amiga Ercilia convidou-me para a festa de anos e lá festejamos nós com grandes correrias no prédio onde ela morava, repleto de miúdos vizinhos a andar de bicicleta. O curioso foi o que nós bebemos, para além dos doces pastéis bolos e sandes da praxe, bem como sumos água etc.,…tivemos direito a beber algo cujo sabor desconhecíamos até então; era coca-cola. Esta bebida existente nos Estados Unidos à tanto tempo ainda não tinha chegado a Portugal, país muito atrasado e fechado na altura, pois vivíamos orgulhosamente sós, não esquecer que o vinte e cinco de Abril ainda não tinha acontecido.
As férias chegaram e acabaram e deu-se inicio à quarta classe . Como eu estava crescida!
Como estava senhora do meu nariz e com tantas opiniões e gostos próprios. As férias tinham sido uma delicia, na piscina tinha aprendido os quatro estilos de natação, ou seja bruços, livres, costas e o mais difícil de todos mariposa, mas sobre as férias falarei noutra ocasião provavelmente noutro livro.
Logo nos primeiros dias da quarta classe a professora resolveu fazer um ditado, e eu que raramente dava erros, nesse dia dei sete, e porquê? Precisamente por estar a brincar e a falar com a colega do lado. Claro está que a D.Adélia não esteve com meias medidas e deu-me uma reguada com a D.Quitéria. Arderam-me um bocado as mãos mas não foi por isso que eu chorei baixinho mas pelo facto de ter ficado muito envergonhada.
Quando cheguei a casa , não contei nada a ninguém do sucedido, não fui capaz e muito menos a meu pai. Mas como já tinha referido atrás, a D.Adélia como cliente do salão de cabeleireiro e senhora de arranjar o cabelo com frequência, foi a minha casa e contou ao meu pai a história do ditado. Este, ao jantar perguntou:
- Então Zizi, correu-te bem a escola hoje?
Ao que eu respondi:
- Sim papá correu.
- Mesmo? Perguntou meu pai.
Aí foi impossível passar despercebida e resolvi contar a minha versão dos factos.
O meu pai respondeu simplesmente.
- Acho que a D Adélia te devia ter dado tantas reguadas quantos os erros que deste porque não o fizeste por desconhecimento mas por mau comportamento
Fiquei sem palavras. Apenas baixei a cabeça e esperei que alguém `a mesa resolvesse salvar a situação desviando a conversa, o que realmente aconteceu ;quem me safou foi a minha prima Fátima e a minha madrinha e irmã do meu pai a minha tia Anita.
Já não era a primeira vez que a minha professora me fazia o reparo de eu escrever com o nariz em cima do papel, eu achava é claro que ela tinha tirado o dia para me chatear, mas ela estava com toda a razão.
Em frente à minha casa havia um café e pastelaria onde era habitual nós comprarmos pastéis para lancharmos e nessa tarde uma prima minha a Vera perguntou-me qual pastel eu queria o que respondi:
- Não sei eu não consigo distinguir qual é qual?!
- Deixa de ser chata Zizi.
- A sério - respondi eu.
- Não consigo ver bem.
A minha prima foi logo dizer à minha mãe e passado um ou dois dias fui ao oftalmologista, resultado tinha de usar óculos pois tinha miopia. A partir desse momento passei a ser caixa de óculos. Ao principio achei-me horrível porque as lentes eram um bocado grossas e os aros também, mas lentamente fui-me habituando e já não conseguia ver-me sem eles faziam parte da minha fisionomia, melhor, da minha personalidade.
Havia na turma uma menina chamada Armanda que me convidou para a festa de anos. Ao principio não me apetecia ir pois não era hábito ela falar a alguém para brincar sequer em casa dela, mas lá me resolvi e fui. Ela vivia perto do rio e em vez da mãe dela pôr a mesa como era costume, agarrámos no lanche colocámo-lo dentro de cestos e aí fomos nós para um pequeno areal junto do rio fazer um piquenique
Nunca imaginei que a festa fosse tão agradável, tão diferente; às vezes com coisas simples consegue-se realizar grandes desejos …
Foi neste último ano da Primária que se realizou o passeio escolar. O intenerário era o seguinte: saída às sete horas e meia da manhã com destino a Braga e à tarde o percurso inverso passando pelo Porto .
Não me lembrava de me levantar tão cedo para viajar, mas ao contrário do que eu previa não me custou nada a acordar, sem preguiça chamei a minha mãe para se arranjar e também organizar o farnel para nós as duas, pois ela seria a minha companheira de viagem.
Quando chegámos à entrada da escola já se encontravam presentes a minha professora e algumas colegas com as ou os acompanhantes. Mal recebemos ordem, entrámos para as camionetas que eram quatro, e instalámo-nos onde gostávamos mais. A minha mãe ficou num dos bancos à frente mas eu fui atrás no que é habitual chamar a cozinha.
A camioneta iniciou a viagem e nós, na cozinha começámos a cantar até ficarmos roucas. A primeira paragem foi num parque para podermos comer alguma coisa e descansar, deviam ser dez horas da manhã. Seguidamente continuámos a excursão agora sim direitos a Braga; aí chegados almoçamos, visitámos o Bom Jesus e alguns monumentos de interesse. Agora o nosso destino era o Porto onde visitaríamos os Clérigos e o Palácio de Cristal , sítio onde lanchamos. O relógio batia as seis da tarde quando o motorista nos pediu para entrar na camioneta e seguirmos viagem novamente, mas desta vez de retorno a casa.
Chegámos cerca das nove horas; que cansaço, que rouquidão , já nem consegui contar ao meu pai quanto nos tínhamos divertido porque de repente adormeci no sofá onde me tinha sentado minutos antes…
Na quarta classe passamos quase todas , éramos pura e simplesmente muito boas alunas quer a Português, Matemática ou História. E estávamos bem preparadas para entrar no ciclo preparatório porque a nossa professora nos tinha ensinado como ninguém. Nossa amiga para sempre, recebeu enquanto nos foi possível um ramo de flores no dia vinte e três de Maio dia em que fazia anos.
Finalmente a escola dos grandes e ia tirar o meu bilhete de identidade , agora sim já era crescida e cidadã achava eu.