01 novembro 2005

Contos P'ra Contar

O Ciclo Preparatório

As instalações onde iria funcionar a Escola Preparatória ainda não estavam concluídas, e como tal tivemos que frequentar as aulas nuns pavilhões pré fabricados no Liceu, hoje chamada Escola Secundária.
Foi verdadeiramente excitante começar a ter escola junto com alunos tão crescidos pois a nossa importância tinha duplicado.
Se na Escola Primária as turmas eram só constituídas por rapazes ou raparigas nesta escola o sistema continuava o mesmo, só se alterando no segundo ano quando fossemos para as instalações onde iria funcionar o Ciclo Preparatório.
O mais estranho na mudança tinha sido o facto de termos muitas disciplinas e consequentemente muitos professores.
Quando tocou a campainha, entramos para dentro da sala com ar muito tímido e aguardamos que a ou o professor chegasse para dar-mos inicio àquele ano escolar.
Enquanto aguardávamos, passei uma vista de olhos pela sala para estudar as minhas colegas e cheguei à conclusão que conhecia quase todas da Escola Primária, à excepção de meia dúzia vindas de não se sabe donde; pensei, no intervalo vou investigar…
Os meus pensamentos foram interrompidos com a entrada da professora de Francês.
Afinal já a conhecia do salão de cabeleireiro, era uma senhora muito alta de cabelo curto muito simpática e com um sorriso bastante amável, ainda bem que a nossa estreia no ciclo foi com ela.
Bonjour! Mon nom est Fernanda, Madame Fernanda. Disse em Francês para nos irmos habituando à língua.
Seguidamente explicou-nos o que era o sumário, ou seja o resumo da matéria que iríamos dar na aula, o horário , o que era o Francês, etc.…fizemos as despedidas e deixou-nos vir embora um pouco antes do toque de saída, dado que era a apresentação e ela compreendia quão diferente era agora a distribuição das aulas para nós.
No recreio, conforme referi atrás comecei a investigar quais e de que escola tinham vindo as minhas colegas novas. Lembro-me de uma em particular a Margarida que viria a ser uma grande amiga minha a quem nós pusemos mais tarde o nome de pulga eléctrica. Ao ganhar algumas novas colegas também perdi outras tantas como a Laura, a Paula Carvalho, a Paula que foram estudar para outras terras, embora com a Paula eu não tenha perdido completamente o contacto como mais tarde vos irei contar.
Seguiram-se todas as outras apresentações que estavam destinadas no nosso horário ou seja de Matemática, Português, História, Ciências, etc.…mas embora também conhecesse alguns dos professores não gostei na aula especialmente de nenhum, pois achava-os um bocado frios para connosco. Como tudo era diferente!…
Quando iniciei o Ciclo Preparatório comecei também com as aulas de música particulares para além daquelas que tinha na escola, é claro. O instrumento que eu desejava tocar era sem dúvida a viola, mas o professor não ensinava e tal como os colegas de música, escolhi acordeão.
No principio, a aprendizagem foi muito aborrecida, pois o professor começou a ensinar o solfejo, a teoria que explica a música: as notas que a compõem e como se faz a sua leitura, só mais tarde iniciamos a practica no instrumento.
Foi nestas aulas que descobri um dos melhores amigos de toda a minha vida, o António Manuel mais conhecido pelo Tó.
Bem cedo como podem constatar vi-me confrontada com a morte, primeiro foi o professor de ginástica que faleceu e seguidamente o professor de música que morreu num desastre de viação quando se deslocava para nos dar aulas. Estas, só duraram cerca de dois anos tendo eu desistido porque não queria ter outro professor, fiquei apenas com o ensino musical da escola.
Nesta altura fui a alguns encontros de escuteiros e ainda cheguei a inserir-me num grupo mas acabei por desistir pois não gostava que as actividades fossem tão impostas como de tropa se tratasse, ia contra a minha necessidade de liberdade embora com regras, pois não concordava com a anarquia que para mim significava o caos.
Já se sentia nesta altura um cheirinho a mudança embora ainda faltasse cerca de um ano para se dar o 25 de Abril. Pode parecer-vos muito esquisito eu falar muito sobre a Revolução dos cravos mas esta veio revolucionar todo um modo de vida se não a própria vida de todos os Portugueses de então, e todas as gerações vindouras.
Nesta altura os soldados Portugueses iam para a chamada guerra do Ultramar(todas as colónias Portuguesas de então: Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Timor, S.Tomé e Príncipe, todas em África, o grande Continente) esta existia porque essa colónias desejavam a Independência e tinham grupos de guerrilha para defenderem esses ideais de Liberdade.
Todas as famílias em Portugal tinham pelo menos um familiar nessa guerra estúpida como são todas as guerras, e como a minha família não era excepção, o Dinis hoje meu cunhado, partiu para Angola. Teve muita sorte pois não combateu no mato e esteve quase sempre perto da cidade; rádio telegrafista ,enviava e recebia mensagens não tendo de andar com a arma em punho. A maior parte dos nossos soldados trouxeram mazelas dessa guerra; algumas eram exteriores tal como falhas de braços pernas
ou olhos por causa do contacto com o rebentamento de minas; outras eram internas ou seja do fórum psicológico e muito mais difíceis de curar porque não se vêem, os restantes acabaram por perecer nessa guerra. Lembro-me de um episódio a que assisti na rua com um soldado recentemente chegado da Guiné, onde diziam a guerrilha era mais acesa e onde os turras assim chamavam aos soldados negros que defendiam a sua terra com unhas e dentes. Havia festa e como é tradição estoiraram foguetes( estoiraram dinheiro pois não vejo interesse nenhum neste costume que por vezes trás tantos dissabores, ficando as pessoas que os põem sem dedos, mãos como aconteceu a um menino meu vizinho que teve a curiosidade de agarrar numa cana de um foguete que ainda não tinha estoirado) de imediato esse soldado atirou-se para o chão no meio do passeio e colocando-se numa posição de ataque com a arma imaginária em punho sonhou derrotar todos os inimigos disparando á queima roupa. Fiquei como que paralisada, não imaginava que as pessoas pudessem ficar tão transtornadas por causa de uma guerra, na realidade ninguém imagina, é cruel demais…Nesse instante ouvi a ambulância e o triste soldado foi levado para dentro com um colete de forças a impedir-lhe os movimentos. Que sociedade esta que trata os seus filhos assim sem consciência nem piedade obrigando-os a ir para uma guerra muitas vezes por preconceitos costumes ou religiões!…
Deste ano escolar não tenho nenhuma recordação especial, apenas a ideia da adaptação a uma nova escola com rendimento médio escolar o que é próprio por causa da mudança.
Chegaram as férias e com elas o Verão e como sempre a Zizi iniciava as idas para a piscina e o treino da natação. Ah! como sabia bem respirar outra vez…
O segundo ano começou de um modo inesperado; em primeiro lugar fomos para as novas instalações, que linda que era a nossa escola nova!…, em segundo lugar as turmas passaram a ser mistas, o que me dava uma sensação de bem estar porque achava os rapazes muito mais camaradas que as raparigas e a turma apresentava-se bem mais unida.
Para inaugurar a Escola , na aula de música ensaiamos o Hino Nacional para recebermos o Sr Presidente da República (Pr Dr. Américo Tomás mais conhecido por corta fitas visto as suas funções, nos últimos anos e por ser cargo já vitalício , não constarem de mais nada , repare-se que o povo não tinha direito a voto à mais de trinta anos) enfeitou-se a escola de flores e os elementos do coro tinham que estar de bandeirinha na mão como é da praxe Apesar de tudo havia grande expectativa, pois nunca tínhamos visto de perto um Presidente e além disso como era Almirante vestia-se sempre de branco com a farda da Marinha que pessoalmente acho bem bonita.
Mas o momento passou depressa e as aulas recomeçaram em força. Se no primeiro ano do Ciclo transitaram da Escola Primária bastantes raparigas já colegas, no segundo ano vieram-se juntar alguns rapazes pertencentes também a uma turma de bastante bom rendimento escolar. Entre os quais o Tó personagem que já falei anteriormente, o Álvaro, o Luís, o Luís Pedro, o Rogério , o Albino, enfim eram tantos que nem dá neste momento para fazer a lista.
As apresentações aos professores fizeram-se de forma rápida pois depressa tínhamos os professores todos, Lembro-me em particular da professora de História a D Lídia, de Matemática D. Manuela , de música a D. Dulce, de Ginástica a Diana, etc.…
Esta Escola era bem mais longe de minha casa que a anterior e por vezes quando tinha pouco tempo de intervalo para almoço precisava de comer na cantina , o que era uma aventura Fazíamos muitas partidas uns aos outros mas o mais interessante era transformarmos aquela cantina numa espécie de restaurante , como nos sentíamos importantes…
As cem lições começaram-se a suceder nas várias disciplinas e os professores deixavam-nos fazer uma festa e esta incluía representações teatrais com textos inventados por nós, danças, canções., etc.… claro está que eu era uma das organizadoras pois as artes sempre foram uma das minhas paixões.
O meu rendimento escolar tinha melhorado em relação ao primeiro ano mas estava um pouco aquém das minhas capacidades, e o que mais contribuiu para isso foi o inicio da doença do meu pai. Embora a minha família tentasse de alguma forma esconder o que se passava, era impossível não notar que o bem estar económico tinha diminuído um pouco que a meio da noite havia pessoas a pé, que o meu pai aparentava cansaço.
Enfim acabara o segundo ano , tinha transitado para o terceiro ano do liceu e outra aventura iria começar pois chegara a Escola Secundária.

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